domingo, 26 de outubro de 2014

Amizade

Uma chuva havia acabado de passar quando me sentei no balanço do parque. O cheiro de terra molhada ainda impregnava o ar, misturando-se às brisas mais geladas decorrentes da chuva. Balançava-me para frente e para trás num ritmo lento... Deliciosamente monótono... Misticamente hipnótico, para ninar o vazio dentro do meu peito. Era um fim de tarde silencioso, sem brilho, como o fim de uma vida como a minha. Mesmo assim, ironicamente, me recusava a parar de respirar. De fato, não existem correntes que me prendam à minha vida, mas ainda tenho medo de perdê-la. Medo, aliás, caracteriza muita coisa de mim. Somos quase sinônimos.

Os minutos passavam lentamente, enquanto eu olhava fixamente para o vazio contido na minha frente. Educadamente, ele, o vazio, olhava-me de volta gentilmente e assim procurávamos juntos qualquer sentido para minha existência. Comentei com ele que eu não podia sequer usar um verbo em primeira pessoa. Não conhecia o que era ter gostos, ter preferências, vontades, mimos ou caprichos. Apenas experimentava o que me ofereciam. Minha alma sempre fora diluída entre as pessoas ao meu redor e nunca me preocupei em recuperá-la. Ele riu de mim, apesar de reconhecer a verdade. Sim, ele era meu amigo e companheiro de todas as horas. O único ser que habita meu coração e, por isso, ele achava graça.

Minha mente vagava pela minha inocência, no vaivém do balanço, até que me surgiu a dúvida: O que é amor?, perguntei ao meu amigo. Ele olhou-me incrédulo e riu com um sorriso de quem tinha certeza de que a pergunta não era séria. Ah, meu caro, continuei, olhando para o céu como se lá estivesse a resposta e estivesse apenas lendo. Ele olhou-me com um sorriso atento. Amor pra mim é paz, salvação e proteção. E carinho também. Se eu amo alguém, vou querer oferecer tudo isso e, de modo egoísta, espero receber o mesmo também. Besta, né?, rimos. Eu só queria poder me despir de tudo, medos e máscaras, e ainda ser aceito. É muito?, completei.

E se você tivesse um amor?, perguntou-me ele. Amor muda as pessoas, continuou. O que seria diferente? Também gostaria de saber, respondi. Sou, por definição, vazio e triste e uma pessoa cheia de máscaras. É um fardo um tanto grande para alguém carregar, não acha? Mas acho que minha primeira reação seria dividir esse peso. Provavelmente tentar esmagar a pessoa amada com ele, falei, rindo junto com meu amigo. De verdade, eu só queria que alguém conseguisse ver através de mim e preenchesse meu vazio, para ser feliz com essa pessoa. Te parece difícil? É que eu sou muito medroso e mais fraco do que queria. Sou exatamente como você me vê agora: uma criança solitária num banco de um parque qualquer, esperando ser engolida pela noite ou resgatada por alguém. Incapaz de pedir ou encontrar ajuda, incapaz de fugir e fadada a sofrer essa solidão apenas com você, o meu melhor amigo. Então, por favor, nunca me abandone...


(=

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